sábado, 6 de dezembro de 2014

Encontros e Desencontros

Pois é, a ideia era fazer o II Encontro Nacional de CED aqui em Blumenau e trazer os Felinos Urbanos, o Stray Cats, o Bicho Caiçara, a ARPA, os Sotero Bichanos e mais um monte de gente linda. Mas, por quaisquer que sejam os motivos, somente pouquíssimas pessoas se inscreveram e, em função do alto valor do local reservado, preferimos cancelar. A boa notícia foi que o pessoal do Bicho Brother de SP, que já estava inscrito, aproveitou pra vir conhecer Blumenau e passar a Lua-de-Mel fazendo CED.  Eduardo e Mariana passaram o fim de semana aqui, trocamos ideias, tomamos café juntos, comemos cuca de nozes que parecia aquele doce maravilhoso chamado camafeu, enfim, foi muito bom. Além de alguns voluntários da Operação Gato de Rua e o Bicho Brother, ainda tivemos a presença da amiga Cris, sempre ali pra nos ajudar, quem, aliás,trouxe a deliciosa cuca.

Vanessa, da OGR (com minha Cachaça nas mãos), Eu, Mariana, Eduardo (ambos do Bicho Brother) e Cristina, amassando o Romeu, que se sentiu a estrela do dia.


E aqui, sem Vanessa, com Fábio. 

Durante os bate-papos, pudemos ver que temos muito em comum, mesmo em ambientes tão diferentes. Conhecer quem tem peito pra fazer CED e faz, sempre nos dá força pra continuar. Nós aqui, achando que nossas colônias são numerosas com vinte gatos, ficamos sabendo de uma em SP que deve ter uns 10.000 (sim, dez mil). Uma casa abandonada, com rolo de herança,  na qual ninguém pode entrar, onde os gatinhos vivem, se reproduzem (daquele jeito que gato se reproduz) e morrem, alimentados por uma velhinha  (o que seria dos gatos de rua, se não fossem as velhinhas de coração bom?).

Também ouvimos muitos relatos e ficamos com água na boca de conhecer o Rogério do CCZ de SP, um expert em laçar gatos com a rede em cima do telhado, ou onde quer que o bichano esteja. Ah, Nove e Quinze, quero muito que você conheça essa pessoa. Já ficamos aqui, pensando em como aprender com ele essas táticas milagrosas de pegar qualquer gatinho em qualquer lugar.

Eu, particularmente, tinha a curiosidade de conversar com o Bicho Brother, porque, além do CED, eles mantém abrigo, atualmente com 40 gatos. Como tenho lá minhas razões para ser contra e faço CED justamente porque não gosto de lidar com doação, queria saber como é. Claro que tem muito trabalho, muita despesa, muita dor de cabeça, muito gato que por esse ou outro motivo fica pra trás, nunca é adotado. Aquela velha história, típica de abrigos. Aí, num momento da conversa, ouvimos a frase: "nós vamos acabar com isso de abrigo, vamos ficar somente com o CED". Porque não é fácil nem pra quem cuida, nem pra quem fica lá (os gatinhos). Se uma boa adoção fosse garantida, seria um mundo ideal que, infelizmente, não existe. 

Bicho Brother já fez aproximadamente cem capturas, são, pelo que entendi, três pessoas. Vermifugam os gatinhos, antes de soltá-los (eu sempre quis fazer, só não sabia como). Têm convênios com alguns veterinários bem parceiros, também pedem para a pessoa que pede a captura pagar os custos de castração, etc. Porque senão não dá.

Das esquerda para a direita: a bunda do Nicolau em cima do sofá, eu, Cris, Eduardo e Mariana


E porque Lua de Mel, não tem sentido sem captura, fomos à colônia da nossa gatinha mais desejada, mais difícil, mais lisa: Nove e Quinze, perseguida por nós há dois anos, que, graças a Deus e à sua esperteza, já está com a cria número 4 - totalizando 15 filhotes (dois resgatados/doados; cinco mortos, outros quatro resgatados/doados e quatro ferinhas que estão lá) e, ao que parece, prenhe de novo. Porque,claro, as gatas mais ariscas são as mais férteis.

Nove e Quinze com cara de ninguém me pega

Depois de aproximadamente duas horas de baile, eis que um dos filhotes teve misericórdia de nós e resolveu que queria conhecer a tia Juliana. Capturado às 19h40 foi batizado de Sete e Quarenta. Eu ali, numa esperança de ele ser bonzinho e poder ser doado, vi meus sonhos desmoronarem ontem, quando a veterinária avisou que era pequenino, mas já é uma fera. Pena, perdeu a chance de sair das ruas. Detalhe: é um filhote de pouco mais de dois meses e foi castrado. Sim, é possível e necessário castrar filhotes, principalmente se estes serão devolvidos às suas colônias.

Eduardo e Sete e Quarenta

Sete e Quarenta, a minifera, já castrado e devidamente marcado

Ano que vem faremos,  em algum outro lugar do Brasil, nosso encontro nacional. Pelo menos é o que espero. Quando foi impossível realizá-lo em Goiânia, sugeri pessoalmente Blumenau, porque quero demais que as população daqui conheça essa prática tão eficaz para combater o abandono antes que ele aconteça e melhora a vida dos animais, em muitos sentidos. Infelizmente, as pessoas não se interessaram. Fiquei muito triste mesmo, porque seria lindo ouvir tanta gente que faz CED pelo Brasil afora. Azar  de quem não se interessa, não sabe o que está perdendo. 

Está mais do que na hora de protetores e amantes dos animais mudarem o pensamento, saindo da ideia de resgate / castração (pelamordedeus) e doação. CED é lindo. CED é a solução humanitária, para os gatos de ruas de países desenvolvidos que eutanasiam gatos errantes.

CED é vida.


Grande abraço,

Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua





domingo, 15 de junho de 2014

Tira esses gatos daqui!!!!!


No ano passado, fiz uma palestra no nosso Encontro Nacional de CED (que vai acontecer de novo em novembro 2014) sobre a devolução. Um dos meus tópicos, na palestra, foi o remanejamento de colônias. Até então, pra mim, era teoria, ou quase.  Até que, em maio de 2014, os vizinhos dos pobres gatos resolveram incorporar o mal, a intolerância, a ignorância, a crueldade e, claro, sobrou pros pobres animais. E, porque tragédia pouca é bobagem, aconteceu não em uma, mas em duas de nossas colônias.

Na primeira, a alimentadora é pessoalmente xingada por um vizinho imbecil que fica ameaçando matar os gatos "dela", se não forem tirados imediatamente dali. Só que os gatos não são dela, são da cidade de Blumenau, ela apenas dispõe de seu tempo e boa vontade, por amor a alimentar os bichinhos. Sob sol, sob chuva.  A vizinhança entende que, por ela se preocupar com o bem estar dos animais, é responsável por tirá-los dali. Claro que ela também se responsabiliza e perde noites de sono, saúde, tempo, lágrimas, tentando encontrar uma solução. Porque ninguém ajuda em nada, é só xingamento, só exigência. Não quero deixar que chamem a Prefeitura, porque não posso nem imaginar que eles sejam levados para o famigerado abrigo municipal - pelo único motivo de que não gostam muito de humanos, além dela. E não devem ser colocados para adoção, pois são ariscos. Então assumimos a bronca e estamos ajudando a remanejar sete gatinhos, de uma colônia de treze. Porque os outros oito não entram na casa do vizinho infeliz. Só mais um detalhe: o vizinho mora ali há anos e, apesar de já ter reclamado dos gatos anteriormente, nunca se comportou deste jeito. Então, por medo do que ele pode fazer, estamos nos virando.

tubos colocados pela alimentadora para os gatinhos brincarem 

A causadora do transtorno foi nossa gatinha Matriarca, que, aparecendo ali há alguns meses, teve seus bebês. Claro que não um ou dois, mas cinco. Juntamente com seus rebentos, ainda tem mais duas mocinhas que adoram fazer cocô no quintal do tal homem. De propósito, será?
nós, tentando conseguir um pouco de compreensão


A alimentadora tratou de pedir ajuda e, por fim, conseguiu a casa de uma senhora, que tem um quintal de mata, bem legal, além de dezesseis gatos próprios. Levamos os primeiros há algumas semanas, levamos mais dois duas semanas atrás e hoje ainda vamos tentar pegar os três últimos que faltam. Seria perfeito, se não fosse o fato de a mulher que agora cuida dos gatos, ficar ligando pra nossa alimentadora, que não tem condição nem de comprar comida pra ela, exigindo que esta sustente seus dezesseis gatos próprios. Claro que para os remanejados ela está mandando ração. Mas para os da mulher???? Por quê? Perguntei e a resposta foi: "eu não vou trabalhar de graça". O que os gatos comiam antes de levarmos os outros sete? Sinceramente, acho que sou ingênua em acreditar que pessoas façam alguma coisa sem esperar nada em troca. Porque não custaria NADA colocar a comida nos potes (comida que a alimentadora providencia, potinhos e cobertores que ela mesma levou). Não é fácil lidar com o ser humano, juro que não é. Nosso maior desafio nesta colônia é pegar os gatos, pois, sendo todos já castrados pela OGR, não chegam nem perto da gatoeira. Os que ela conseguia pegar na mão já levamos. Os remanescente são os mais ariscos.

gaiola onde ficaram por duas semanas, no novo lar

o quintal do novo lar, onde, hoje, já vivem soltos

gaiolas cheias de gatinhos sendo remanejados

a freguesia, com as gatoeiras em pé ao lado

a alimentadora, disfarçando para o gato entrar onde deveria



O outro caso é semelhante no que diz respeito à intolerância humana. Uma pessoa irresponsável se mudou do apartamento, abandonando sua gatinha prenhe. Claro que ninguém se prontificou a castrar a gata. Afinal de contas, não era problema deles, né? Algumas pessoas conseguiram pegar alguns gatinhos, mas a mamãe continuou - e continua - lá, inteira. 

Os gatos passaram a ser alimentados por pessoas que se compadecem de sua situação e, segundo a maioria dos moradores, foi por isso que os gatos ficaram. Sim, foi mesmo, provavelmente. Minha pergunta é apenas uma: por que não castraram a gata quando era UMA? Ah é, lembrei: não era problema deles.

Fomos chamados a participar de duas reuniões de condomínio, sendo que só uma vingou. E por que vingou? Porque as crianças estão adquirindo bicho geográfico, devido ao acúmulo de fezes de gatos no bosque. Ok, concordo. Não é legal ver um bebê de um ano e meio com o pezinho inchado e cheio de desenhos. Mas, me digam: por que deixar crianças andarem descalças num bosque? Não é um gramado. É um bosque, cheio de árvores, terra, raízes, barranco. Não é lugar pra criança brincar, muito menos pra andar descalça. Já dizia minha avó. Sim, eles pagam condomínio, têm direito de usufruir das dependências. Mas, então, por que não castraram a gata quando era UMA? 

Aqui, preciso ser justa: na primeira reunião, ficou combinado que os gatos poderiam ficar, mas que seria definido um local para a alimentação e que os moradores parariam de jogar comida pelas janelas - pois estavam atraindo ratos e gambás. Tudo bem, eu gostei da solução. Daria tempo de começarmos a castração dos animais, que, naquele momento eram aproximadamente sete. Só que, aparentemente, algumas das alimentadoras não seguiram a regras e continuaram a jogar comida pela janela.

Não conseguimos ir em janeiro, conforme combinado, devido ao grande número de colônias, então começamos em março. Mas, aí já veio a ordem de "parar de alimentar os animais para eles irem embora". 

Então fizeram uma segunda reunião, para a qual fomos convidados por uma das alimentadoras. O clima, na segunda reunião, era de muita hostilidade, todo mundo mostrando fotos ou pés ao vivo de seus filhos "doentes". Foi um festival de pérolas. Teve o relato de uma lá contando que adora gato, mas, quando ficou grávida, o médico mandou que se desfizesse do seu. Ah, os médico bem informados. O que seria de nós sem eles, não é mesmo?

Uma outra, super simpática, dizendo PARA MIM (como se EU fosse a causadora da "desgraça geográfica" deles), "se gosta tanto assim dos bichanos, que cada um pegue um gato e leve para casa". Porque ela gosta mesmo é de cachorro. Ou ainda um que tem três gatos de raça, mas deseja o fim dos pobres abandonados do bosque, só porque não custam o que os dele custaram. Ainda uma lá que levantou no meio da multidão dizendo que "se essa aí (EU, de novo) não tem tempo, "vamos pagar para alguém vir resolver nosso problema" (porque expliquei que precisaria de um tempo, devido a compromissos de trabalho - pra quem não sabe, sim, eu trabalho, tenho uma empresa, que precisa de mim). O síndico me defendeu, dizendo que nós fomos os únicos que se propuseram a ir até lá ajudar, pois tinha já falado com todo mundo. Mas, naquele momento, eu era vista, por muitos, como uma inimiga. Como se o problema, que já não era deles quando a gata era UMA, agora fosse meu, quando eles são, pelo menos, doze.

Aí levanta um senhorzinho, dono da razão e pai de uma veterinária - como se o fato de a filha dele ser veterinária lhe desse o direito de saber de tudo - dizendo que "nunca na história se ouviu dizer que um gato tenha morrido de fome" ( me arrepiei de cara, principalmente porque parece o discurso de uma outra figura, barbuda e asquerosa, que provoca repulsas no meu ser mais íntimo). Como assim, gato não morre de fome? Não entendi. Queria saber quantos gatos ele já salvou? Quantas vezes ele chegou a uma colônia onde um gatinho intruso passasse fome por não poder comer sem a permissão dos outros? Porque eu já passei por isso, pelo menos duas vezes. Tanto que a veterinária não me deixou devolver imediatamente, não antes de eles se recuperarem. 

O outro queria que eu utilizasse dardo tranquilizante. Gente, eu até tentei dopar gato ( na colônia da Nove e Quinze ), mas ali, naquele bosque, à noite, é simplesmente impossível. Porque o gato vai tomar o calmante, vai se esconder e nós não vamos achar, porque não cabemos nas mesmas tocas que eles cabem. Minha coluna não é flexível, nem tanto quanto a de um humano saudável, muito menos como a de um gato. 

Eu até acho que o mundo se equilibra. Ao mesmo tempo que tem gente tão insensível, tem outras que se comovem e se habilitam a ajudar. Gente que se dói por aqueles que não podem se defender. Gente que fala por quem não tem voz. Uma das moradoras, não suportando a injustiça para com os gatinhos, acabou se mudando de lá. A outra já me contou que deve seguir o mesmo caminho," porque não dá pra morar com tanta gente ignorante".

Meu argumento natural seria: por isso que moro em casa, não em prédio. Mas, desde que nos mudamos para a casa nova, esta teoria caiu por terra. Nossa vizinhança aqui é hostil a ponto de ameaçar dar veneno de rato para meus cães e botar fogo na minha casa. O ser humano é fofo, não é?

Mas, enfim, o resultado da reunião foi: os gatos não poderiam mais ser alimentados, para que fizessem o favor de ir procurar comida em outro lugar. E nós teríamos sessenta dias para retirar todos. Até ali, eu não poderia garantir que não morreriam de fome, então fui me informar. Porque se a filha do senhorzinho disse que não morre, então não morre, né? Só que eu não acredito em opinião de inimigo (papel que ele representava naquele momento). Entrei em contato com o pessoal de Oregon (FCCO), que faz CED há trinta anos e, segundo eles, os gatos morreriam de fome sim, caso não fossem mais alimentados. Aí perguntei para outra pessoa que faz CED, que disse que não,não morreriam. Liguei pra minha veterinária e ela disse: sim, morreriam. Pronto, dois a um. Informei ao síndico que, caso os gatos não fossem mais alimentados, eu os denunciaria por maus tratos, pois são dependentes dos cuidados humanos e, já que vamos retirá-los dali, não haveria motivo para ser cruel. 

Moral da história: cada um está fazendo sua parte: alimentadoras alimentam, o síndico recolhe as crianças quando vamos (porque o passatempo predileto deles é aterrorizar os pobre gatos), nós nos disponibilizamos a ir duas vezes por semana e o condomínio arca com as despesas. Filhotes até 4 meses serão sociabilizados para posterior doação, adultos estão sendo remanejados para um outro lugar, onde terão tudo de que precisam e as alimentadoras ajudarão a custear o alimento deles. Só que, se não conseguirmos retirar os gatos dali no prazo determinado, eles vão "dar um jeito" no assunto. E que jeito? perguntei eu na reunião: "sei lá, vamos soltar uns cachorros por ali". Porque, né? Muito mais fácil assim, certo?

Uma vez, conversando com dois amigos da causa, disse que não gosto de fazer doação, porque não gosto dos seres humanos. A resposta deles foi que eu não posso dizer isso, uma vez que tenho uma escola, funcionários, alunos e eles são pessoas. É mesmo, não posso dizer que não gosto de humanos, mesmo porque eu sou uma humana, meu marido, que eu amo, é humano, minha mãe, meus irmãos, meus parentes, amigos - tudo gente :)) 

Então eu não vou mais dizer que não gosto de seres humanos. Mas, posso e vou dizer que, em muitos casos, ainda prefiro os animais.

Um abraço,

Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua

* Só para constar: quando começamos o remanejamento no condomínio, tínhamos conhecimentos de 3 gatas adultas, 4 gatos de sexo desconhecido, 5 filhotes de uma das gatas. Hoje, após capturarmos 4 (outras) gatas, uma delas tinha tido bebês, então além dos 5 originais, temos mais três minigatinhos de dois meses. E, pelo menos dois gatinhos pretos de aproximadamente 5 meses, que não faziam parte dos primeiros contados. Já retiramos uma gata mansa que foi doada, uma bravinha, que foi devolvida, pois capturamos antes da ordem de retirar, uma outra fêmea, filhotona de uns sete meses, além de um dos cinco filhotes, um filhotão frajola arisco, uma cinza e branca que tinha tido bebês recentemente e um dos minigatos, seu bebês. Ainda nos faltam: a gata mãe dos cinco filhotes, o irmão da adotada, um gatão cinza, dois frajolas, quatro dos filhotes maiores, dois dos minigatos e os dois pretinhos. Esses são os que nós já vimos. Esperamos que pare por aí. Isso tudo, porque enquanto era UMA gata, não era problema deles.



quinta-feira, 1 de maio de 2014

Não se pode ganhar todas

Um dia você se decidiu a fazer CED em vez de resgate, pois sabe que não dá pra salvar todo mundo. Então, percebendo a importância da castração no combate ao abandono animal, resolve que este será seu trabalho. Aí começa. Captura. Esteriliza e Devolve, quase duzentos gatos da sua cidade. Tem firmeza no coração, suficiente pra devolver a um mato, gatinhos que, em outras circunstâncias, poderiam estar sendo amados e aquecido sob um edredom.

E faz isso, muito feliz, sem nenhum peso na consciência.

Às vezes, porém, aparecem gatinhos mansos, gatinhas mamães e sua caixa de minigatos, filhotes maravilhosos, que, não só merecem, como podem e devem receber um lar, pois são sociáveis o suficiente pra se esfregar numa mão que o queira acariciar. Aí você Captura, Esteriliza e Doa, com muito cuidado.

Mas, porque a vida no mato, assim como nas ruas, não é fácil, os perigos são iminentes, muito maiores do que aqueles a que estão sujeitos gatos com tutores e lares. Tem perigo de cobra, de lagarto, de cachorro solto, de envenenamento, de atropelamento, de violência. E você vê que seus gatinhos, mesmo agora com uma grande chance de ter uma vida melhor por estarem castrados, perdem essa chance, simplesmente por não terem um lar pra chamar de seu.

E você se depara com uma das "suas" filhotas, de quatro meses, recém castrada, atropelada, agonizando. Leva pra tentar ajudar, mas ela não sobrevive. Tá bom, não deu, pelo menos morreu sem dor, embrulhada num cobertor térmico. Assim como o filhote que não sobreviveu à anestesia, por ter má formação no coração e nos pulmões.

Filhota - atropelada uma semana após a castração

Alguns dos nossos capturados foram vítimas do abominável ser humano, como os nove envenenados na colônia original da Marli, por motivos até hoje desconhecidos. Ou a Mami, linda, mãe do Maxi, do Micky e da Liza que, porque passou da limite da calçada, foi exterminada com o famigerado chumbinho.

Mini - vítima de envenenamento em massa


Mami - assassinada com chumbinho


Tem também a gatinha linda do Morro, atropelada pelo dito dono da Cuore, que desceu a rua, com seu carro em velocidade acima do ideal, pegando-a em cheio, sem chance de se defender, de ser socorrida. 

Boneca - gatinha atropelada e morta pelo "dono"da Cuore


Ou a Ônix, do centro, também atropelada; o Frajola, lá do começo, minha primeira perda, atropelado. As gatinhas de uma colônia pequena num centro comercial, exterminadas por cretinos intolerantes.

Frajolico - a primeira perda


Mortes inevitáveis de certa forma, porque não vimos, não pudemos fazer muita coisa.

Só que tem aqueles que até teriam uma chance, não fossem as circunstâncias. Seja pelo temperamento, seja pela condição financeira, seja pela falta de lar.

Tivemos uma gatinha de telhado, muito fofa, mas muito arisca. Fizemos a captura e ela tinha prolapso retal. Se fosse a minha gata, a sua gata, mansa e com uma rotina de família, a chance de ficar boa seria muito alta. Só que ela não era mansa, não era minha, não era de ninguém. Morava no telhado com seus bebês mais velhos e os mais novos, naquela vida dura de gato de rua. E, na impossibilidade de ser tratada no pós cirurgia, por ser arisca, por não ter um lar, não ter possibilidade de se fazer curativo, não foi devolvida.

O outro, ainda filhote, filho da minha freguesa mais escorregadia, a Filha Dela, que mora embaixo de uma casa, ficou doente, também levamos ao veterinário, mas não dava mais pra ele. A alimentadora suspeita de veneno. A veterinária suspeita de problemas de saúde, respiratórios, graves e incuráveis para um gato que não pode ser tratado por seu próprio temperamento e condição de vida. E, mais uma vez, para que o sofrimento acabasse, não foi devolvido.

E teve a linda Cuore.

Gatinha que, oficialmente, tinha donos, tinha um teto, mesmo morando na garagem, sem acesso ao interior da casa, nem dos corações. 

Socorrida pela alimentadora (porque os tutores nem se importaram), por sua respiração ofegante e falta de apetite, foi levada ao veterinário, com suspeitas de infecção pulmonar, trauma, ou qualquer outro problema de solução relativamente fácil. Fim de feriado, radiografia e o triste diagnóstico de cardiopatia. Os donos? nem quiseram saber, preferiram a doação.

Uma gatinha linda, doce, amada, querida, carinhosa, mas que precisava fazer muito esforço pra conseguir oxigênio. Colocava seu narizinho pra fora da grade e puxava, puxava, tentando conseguir um pouquinho. Porque seu coração era grande demais. 

Solução? Até que teria: um lar definitivo, no qual os tutores tivessem condição financeira de levá-la ao cardiologista periodicamente, com gastos aproximados de R$ 300,00 por consulta. Pra sempre, mas o sempre seriam mais uns poucos meses. Quem adotaria um animal, sabendo que dali a pouco tempo teria que passar pela perda? 
Precisaria de tutores que não tivessem nem crianças, nem outros animais, muito menos gatos, porque ela não poderia passar por nenhum tipo de estresse, sob risco de morte instantânea. 

E você não tem a condição financeira. Seu projeto não tem a condição financeira. O LT que a acolheria tem outros 18 gatos e nenhuma chance de se garantir cem por cento de tranquilidade, sem estresse. Muito menos ainda, você tem um adotante especial.

E vem a parte mais difícil de se fazer CED. Quando você precisa se conscientizar de que não pode usar seus parcos recursos de castração para salvar um gato em detrimento de outros vinte.Manter um animal sadio em LT é muito caro, imagine um animal doente, com despesas contínuas e altas. Não dá. Não é nosso foco. Por mais que nos doa. 

Claro que, se os donos fossem responsáveis, ela teria sido devolvida. Só que eles não cuidaram direito dela antes, não se importaram que a tiramos de lá, não cuidariam depois e ela morreria asfixiada, lentamente, com muito sofrimento. 

A morte de um gatinho de rua, seja ela como for, é sempre uma dor pessoal, pois cada um é um filho menos favorecido. E, se por um lado, a impotência é revoltante, ela nos move a continuar com o trabalho de castração e devolução da maioria, mas, quando for o caso, insistindo na doação responsável, para pessoas comprometidas, com condição financeira e disposição interna em gastar dinheiro com tratamento veterinário quando necessário. Pessoas que permitam ao gato, ser criado dentro de casa, debaixo das cobertas. 

Não adianta doar pra qualquer um. Muitas vezes, ter uma casa, não significa ter um lar; ter "donos", não significa ter uma família. Cuore que o diga. 

RIP linda gatinha.



Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua




segunda-feira, 10 de março de 2014

Sobre abrigos e feiras


O Abrigo XXXXXX é uma entidade de proteção aos animais que resgata cães abandonados e necessitados das ruas de XXXXX, XX. Está localizado num terreno de 15.000 mts², e contém 60 baias de 25 mts² cada, que abrigam até 5 animais/baia.
"Em 7 anos de existência, já foram resgatados mais de 1.500 cães, que foram recuperados, castrados e disponibilizados para adoção. Dessa forma cerca de 600 cães já foram recolocados em novos lares. Os demais, não adotados, viverão conosco até o final de suas vidas. Realizamos eventos de educação humanitária pela guarda responsável de animais, e trabalhamos junto ao Poder Público para a implantação de Políticas Públicas de Proteção aos Animais. Acreditamos que é preciso compensar o confinamento com o máximo de medidas que proporcionem o bem-estar animal como: manejo diário por equipe dedicada, música ambiente para desestressar, aquecedores no inverno (conforto térmico), caminhas individuais, cuidados permanentes com alimentação e saúde e ainda a “HORA DO RECREIO”, momento diário onde os cães podem correr livremente em segurança pelo gramado de 12.000 mts² e um Pet-Playground."

E, com esta informação acima, retirada do site de um abrigo cujo nome não vou citar, quero começar meu post da vez.
Se você lê com atenção, vai ver que foram resgatados 1500 cães e que puxa!! 600 já foram doados. Legal, né? Sim, para os 600. Mas, para os 900 que "viverão conosco (com eles) até o final de suas vidas", nem tanto. Este abrigo acima é um considerado modelo - leia você mesmo, eles têm estrutura de creche, proporcionam o bem-estar do animais, tentando dar a eles uma vida, ainda que confinada, relativamente boa. É uma exceção e não a regra.
Mas são 900 cães confinados contra 600 doados. 
Blumenau vai ganhar um abrigo em breve - previsão para os próximos meses, obra iniciada. A promessa é de local para educação dos estudantes, mostrando o lado obscuro do abandono - ou seja - o próprio animal abandonado, pra ver se desperta a compaixão nos jovens. No melhor estilo maço de cigarros mostrando fotos de câncer e impotência pra inibir o fumo. Funcionou com o cigarro, pode funcionar com os adolescentes também. Vamos torcer para eles não pensarem: "bom, posso abandonar meu cão/gato porque eles vão vir parar aqui, olha que lugar legal".
As promessas são de triagem de animais - não resgatando todos que estão nas ruas, somente os feridos para tratamento e posterior doação; clínica veterinária e profissional à disposição; blá, blá, blá. 

Eu sou contra a construção de abrigos e não escondo minha opinião de ninguém. Podem me dar todos os argumentos possíveis, não me convencem. No caso de Blumenau ainda estou dando o benefício da dúvida, acreditando nas promessas e me comprometendo a dar a mão à palmatória, caso ele realmente funcione e não se transforme num depósito de animais. A cidade tem um histórico de abandono no fim do ano, por exemplo, fora do comum. E eu estou só esperando pra ver o que vai acontecer quando a população souber que tem onde descartar seu amigo, antes de ir se bronzear no litoral.



Há alguns lares temporários aqui, que acabaram se transformando em lares definitivos, nos quais trocentos cães amontoam suas carcaças magricelas e seu pelo sem brilho, brigando muitas vezes por uns baguinhos da escassa ração. Simplesmente porque a pessoa que os recolhe "ama os animais e quer que eles tenham uma vida digna". Só não explica direito o que é digno pra ela.

Até há pouco tempo, em parceria com uma ONG da cidade, meio que acompanhávamos o trabalho de um abrigo não oficial. Uma senhora que a princípio queria privacidade, depois apareceu na mídia, liberou acesso de todo bicho que passa, distribuiu seu número de telefone pra quem viesse choramingar ali. Não posso negar, coloquei três cães no local dela, mas, quando eu a conheci, eram 80 cães e 60 gatos. Meus três cães já foram doados e hoje seis meses depois, ela tem mais ou menos 160 gatos e mais de 200 cães. O espaço abundante que eles tinham antigamente, ficou, obviamente, mais restrito; a atenção que recebiam, também foi reduzida.  Pensar em 160 gatos soltos numa mata me dói o coração, não porque não estejam castrados pois estão, mas pelos pobres pássaros que vivem na região. Já pensou no massacre? Eu amo gato e acho que isso já é claro pra todo mundo. Mas ele é um predador natural, caçador, mata tudo o que for menor que ele. Pobre fauna!

Há uma moça em Minas Gerais que resgata gatos. Montes e mais montes de gatos. Ela, sendo uma pessoa física sozinha, obviamente não dá conta de sustentar 60 gatos do próprio bolso. Porque, quando li o blog dela, acho que, ainda por cima estava procurando emprego e tinha a mãe doente. Aí faz o quê? Pede ajuda, claro. Pessoas ajudam e eu acho isso ótimo, afinal também recebo ajuda de muitos que não me conhecem pessoalmente. Até aí, tudo bem. Só que hoje ela tem 60, amanhã terá 150, porque a velocidade de doação é infinitamente menor do que a quantidade de caixas de ninhadas que chegam. E, sem condições financeiras, não vai conseguir castrar todo  mundo a tempo. Conclusão?




Há exceções, aqui mesmo em Blumenau. Uma pessoa que tem um gatil, tira da rua, acolhe milhões de caixas cheias de gatos que são deixadas na frente da sua porta durante o ano todo, dá amor, cuidado, carinho, gasta o que pode e o que não pode, castra e doa. Da última vez que falei com ela, eram 60 gatos em casa. Mas ela realmente os doa então já teve época que eram "apenas 23". Não é acumuladora, faz tudo com responsabilidade. E uma outra que também abre um espaço em sua casa para gatinhos que precisam de lar temporário e os doa com responsabilidade. Da última vez que perguntei, eram 30. As duas já visitei algumas vezes e os gatos têm vida de rei, não vou nem chamar de abrigo.

Mas, se você tem 350 animais em casa, precisa se desfazer de alguns, certo? E aí vêm as famigeradas Feiras de Adoção - aquelas onde animais são doados a praticamente qualquer um que os queira; sem critério, muitas vezes na base da mentira (ontem mesmo li um post de uma protetora dizendo que o adotante mentiu e o filhote que ela doou, fugiu). Porque a fila tem que andar. O bicho tem que sair porque tem muitos outros precisando entrar. Isso quando os filhotes não são doados sem castração, porque o doador/protetor se comprometealigarepegarnopédoadotantepraele fazeracastraçãoeissoeaquiloporquetemtermodeadoçãoeapessoasecomprometeemaisissoemaisaquilooutro. Termo de doação não obriga ninguém a castrar. Depois que o animal foi, se o adotante não quiser castrar, nem o Papa Francisco pode obrigá-lo; nem o próprio São Francisco de Assis, ninguém. E é aí que mora o perigo, pois, dali a um tempo, vai ter gatinha/cadela prenha nas ruas, abandonadas, porque o adotante não queria ter seis gatos, oras bolas, ele queria só uma gatinha. Mas não castrou e ela entrou no cio. Ficou prenha. Teve filhotes. E, todo o trabalho que o dito protetor teve, foi por água abaixo. É simples assim. Medonho assim. Comum assim. Mas isso já foi assunto aqui várias vezes. 

Nós da proteção animal, trabalhando contra quem doa animais sem castração e sem critérios


Não participo de feiras por vários motivos:

- pessoas que vêm adotar e não têm a mínima condição financeira de ter um animal - já visível no seu jeito de se vestir, se calçar. Teve uma ocasião, na última feira da qual participei com a ONG parceira, na qual uma família de baixa renda, com uma criança e um bebê de colo, vieram adotar um cão. Pra mim, estava claro que eles não tinham condições financeiras de ter um animal, dar-lhe uma vida com alimentação de qualidade, porque mal tinham pra eles. Mas o menino se apaixonou pelo animal e ficou ali, a manhã toda, paquerando, esperando, querendo. Nunca duvidei do amor que o cão receberia, mas, e se ficar doente, vai ser tratado? Eu chorei  muito porque tive pena do menino, mas tive pena do cão também, indefeso, sem poder escolher. Prometeram ir ver se eles ficariam bem. A última notícia, que recebi uns dias depois, foi que ele estavam bem. Prometi a mim mesma que nunca mais participaria disso.

- pessoas que adotam num impulso e logo depois devolvem ao protetor doador; isso quando não largam o bicho na primeira esquina, na primeira dificuldade e o protetor nem fica sabendo - a não ser que faça um controle "pós-doação", cá entre nós, coisa rara. Aliás, conheço algumas protetoras independentes que são exemplo de como fazer doação. Se quiser iniciar carreira, é  só me pedir o contato.

- pessoas que mentem sobre seu espaço, seu tempo, suas condições financeiras

- na pressa, não há muitos critérios de escolha. Na minha opinião, o doador/protetor tem que fazer uma visita antes, preencher um questionário de adoção, fazer entrevista com os adotantes, ter pelo menos alguma certeza de que vai dar certo. Claro que muitas coisas fogem ao controle, não podemos acertar sempre. Mas, doações individuais, não em massa, têm muito mais chances de sucesso do que as feitas de baciada em feiras.

E esta é uma das razões pelas quais eu escolhi fazer C.E.D. e não resgate. 




 O dinheiro que se investe em um abrigo e sua manutenção seria, com certeza, muito mais bem aplicado se investido nesses dois pontos: EDUCAÇÃO, principalmente de crianças e jovens e CASTRAÇÃO para quem já está por aí e seus descendentes. Educar a classe mais pobre, que não tem noção de cuidados básicos com animais deve ser muito mais barato; castrar os animais dessas famílias, muito mais barato que alimentar cães e gatos confinados; lutar por e realizar mutirões de castração na periferia, nem se fala. E aí, sim, teríamos em médio e curto prazo, uma diminuição nos chamados de socorro pra gatinhos abandonados em caixas de papelão com suas mamães, durante a primavera. 

Castrar e cuidar de animais comunitários, educando a população em sua volta, seria, provavelmente muito mais barato também e infinitamente mais humano, menos cruel.

Fui ali dar uma olhada em números de abrigos,  antes de terminar e achei o seguinte:

abrigo com capacidade para 650 animais / tem no total 718 - bem semelhante ao nosso sistema carcerário e suas celas projetadas para 60 pessoas, abrigando 200. Ou não?

Há abrigos que ainda tentam dar uma vida digna aos animais ali confinados - vide aquele nosso exemplo de cima, assim como alguns aqui da região. Há trabalhos voluntários de passeios, campanhas pra arrecadar ração, vacinas, remédios. Mas isso não é o ideal. O ideal é que eles não existam, não por falta de políticas públicas e/ou verba, mas por falta de animais.

Porque abrigo bom é abrigo vazio.

Pergunta pra eles :))




Um abraço,

Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua