quarta-feira, 17 de julho de 2013

A difícil vida nas ruas

Ontem fomos buscar as gatinhas da Operação Gato de Rua que estavam prontas para ir para casa após a castração. Quando chegamos, um veterinário estava fazendo um procedimento de desobstrução de bexiga num gatinho. Não gosto muito da mesa de cirurgia, nem de ver animal sedado, mas, como era um gatinho, cheguei mais perto. Meu marido Fábio perguntou o que causava aquilo e a resposta foi: ¨o cara dá ração de baixa qualidade e o bicho que paga o pato. Hoje ele comprou renal, mas agora o estrago já está feito¨. 
Essa informação me provocou um choque de realidade. Já sabia disso, sei dos danos que a ração seca provoca na saúde dos animais, mas, quando ele falou, pensei, imediatamente nos gatinhos que castrei ou estou castrando, moradores de rua, alimentados por pessoas de baixa renda e altíssimo grau de amor ao próximo. E meu coração doeu de medo por eles.

Das últimas vezes que retornei às primeiras colônias revi a população felina que estava lá. Todos gordos, sem exceção. Alguns MUITO gordos. E não adianta falar para as alimentadoras que isso não é saudável, que é comida demais, porque elas têm pena, acha que vão morrer de fome de um dia para o outro.

Mas eu entendo o sentimento delas. A vida dos gatinhos de rua já é bem difícil ganhando comidinha razoável todos os dias em horário certo. Porque não é só a alimentação, é abrigo, frio, chuva, água. E aí fiquei pensando na ração que eles comem, que não é tipo PREMIUM e, sim, muitas vezes, bem baratinha, porque as alimentadoras não podem comprar uma melhorzinha. E fiquei imaginando que, se algum gatinho tiver obstrução urinária ou qualquer outro problema típico de gatinhos, ninguém vai ver, nem ficar sabendo, nem vai poder socorrer, o animal vai sofrer, sentir dor, ficar desamparado e sabe Deus lá quanto tempo ficar assim até morrer. E,com esses pensamentos, não consegui dormir.

Dias atrás tivemos nosso primeiro óbito na clínica. Um gatinho jovem, com menos de um ano, que morreu ao receber a medicação de relaxamento ANTES da anestesia. Morreu assim, sem mais nem menos. Claro que todo mundo ficou arrasado e a veterinária responsável, para saber o que tinha acontecido, fez necrópsia. Pra resumir, ele tinha o coração e os pulmões deformados, em tamanho menor do que o necessário. Estava sobrevivendo do jeitinho dele, escondidinho no mato e comendo, mas quando foi relaxado, o pulmão - que o mantinha vivo trabalhando em hora extra - sobrecarregou o coração, minúsculo, que não conseguiu oxigenar o bebê. A morte dele poderia ter sido evitada se nós soubéssemos disso antes. Mas não soubemos, porque o cara era arisco e bem brabo, apesar da carinha fofa de Charlie Chaplin. O único consolo é que ele morreu dormindo, sem sofrimento.

E assim são todos eles, moradores dos matos, ruas, becos e construções de centros urbanos. 

Quando penso nisso e em todas as pessoas que colaboram para que esses animais estejam nas ruas, tão vulneráveis, tenho um sentimento de impotência muito grande. Porque mesmo já tenho castrado 106 gatinhos, a maioria de rua e sem dono, a luta com quem joga contra é muito difícil: quem deixa gato não castrado sair e procriar por aí; quem deixa gato sair simplesmente, mesmo castrado - correndo o risco de se perder e ficar perambulando pelas ruas para sempre; quem deixa a gatinha cruzar porque tem preguiça de castrar ou porque acha bonitinhos os filhotes e aí, para horror de quem lida com animais de rua, doa os filhotes TODOS sem castrar antes - e aqui não quero nem pensar nas ONGs que doam bebês não castrados, porque sim, elas existem, para desespero da minha gastrite. Isso é o que faz o abandono persistir ainda por tanto tempo. E, se você faz uma dessas coisas, não reclame. É sua culpa também.

Filhote de gato é muito fofo. Mas é fofo quando pode ter um lar quentinho, sequinho, comidinha de boa qualidade, veterinário quando precisa, amor, carinho, companhia. Senão é um pobre ser indefeso sendo massacrado pela natureza, pela chuva, pelo ser humano cruel que o abandona, chuta, envenena e só quer se livrar dele. Eu sei que tem gente boa que cuida, resgata e espero que, no frigir dos ovos, tudo fique pelo menos equilibrado. Mas estou lutando para que o lado do bem, do gatinho com lar e cuidados, vença. Que não haja mais gatinhos sem teto por aí, para não precisarem morrer sofrendo com a bexiga obstruída, com dor e sem socorro, ou numa anestesia que possa ser evitada, ou chutados, atropelados, massacrados a pauladas, envenenados, enfim, abandonados a mercê do destino. Porque eles não pediram pra nascer ali. Não pediram pra nascer at all. Cada gatinho castrado ou não, das minhas colônias, significa pra mim, exatamente o mesmo que o Romeu, Nicolau e Cachaça e, não é porque moram na rua que eu me importo menos com eles. 

Ainda não é Natal, mas eu quero que neste ano, o Papai Noel nos traga de presente discernimento para pessoas e ONGs, para que realmente se comportem como pessoas que amam seus animais e procurem o seu bem-estar. Para que somente pessoas conscientes adotem animais.

Porque não adianta pedir que Papai do Céu ajude os anjinhos. Ele já tem muito o que fazer cuidando da humanidade cada vez mais cruel, que não liga nem para seu irmão semelhante, que gasta seu tempo inventando uma maneira de ser feliz às custas do outro. O universo em que vivemos está, também, sob nossa responsabilidade e é nosso dever zelar pela vida e bem-estar do outro, mesmo que ele tenha bigodes e mie. Ou principalmente deles, que não indefesos.

Faço C.E.D. porque acredito que a castração é a única maneira realmente eficaz de impedir que o abandono se perpetue. Mas acredito também na educação do ser humano, principalmente os jovens e crianças. 

Quero dedicar este post aos meus falecidinhos, que viveram muito menos do que os 20 anos programados por Deus, devido à irresponsabilidade de todo mundo que não cuidou para que fosse diferente: o frajola irmão da Léa, que morreu atropelado aos seis meses de idade; a Mãe de Todos, que morreu envenenada antes de ser castrada; o Romeuzinho, Kaká, Mini e os outros seis da mesma colônia, que eu nem cheguei a castrar, que também foram envenenados numa ação de revolta e briga entre humanos imbecis; a Mami, tão linda, também envenenada por um empresário babaca da cidade; a Filhota, que morreu atropelada aos quatro meses de idade, uma semana depois da castração; ao terceiro filhote da Filha Dela, doentinho, que morreu embaixo da casa e ao Charles Chaplin, o cardiopata lindo que não teve chance de socorro. Sinto muito por todos vocês, para quem já é tarde demais, mesmo com muita gente lutando. 

Grande abraço a todos.

Maria Cecília



2 comentários:

  1. Nossa fiquei emocionada com seu POST, pois sinto o mesmo, Castro e alimento gatinhos de rua e sofri muito quando penso no que eles passam todos os dias de medo, frio , etc,,,,gostaria que isso nao acontecesse a nenhum deles..

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  2. Também sinto na pele este seu mesmo desespero, mais sinto informar que não é apenas a ração seca e de baixa qualidade a principal responsável pelos problemas urinário em felinos, o problema somos nós! Isso mesmo nós que queremos mudar o cardápio do felino, os felinos são de natureza carnívora, e muitos renegam este manjar a eles. Resgato, castro os que me são possível castrar, pois nem sempre tenho verba e nem quem faça castração pediatrica p/ doar somente castrados(nisso eu peco) e graças a Deus nunca tive este tipo de problema de obstrução do canal urinário com nenhum gato, pelo menos os que estão vivendo comigo e não são poucos! Gostaria muito de ter contato com vc para troca de esperiencia com felinos, estes eternos amores!

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