segunda-feira, 10 de março de 2014

Sobre abrigos e feiras


O Abrigo XXXXXX é uma entidade de proteção aos animais que resgata cães abandonados e necessitados das ruas de XXXXX, XX. Está localizado num terreno de 15.000 mts², e contém 60 baias de 25 mts² cada, que abrigam até 5 animais/baia.
"Em 7 anos de existência, já foram resgatados mais de 1.500 cães, que foram recuperados, castrados e disponibilizados para adoção. Dessa forma cerca de 600 cães já foram recolocados em novos lares. Os demais, não adotados, viverão conosco até o final de suas vidas. Realizamos eventos de educação humanitária pela guarda responsável de animais, e trabalhamos junto ao Poder Público para a implantação de Políticas Públicas de Proteção aos Animais. Acreditamos que é preciso compensar o confinamento com o máximo de medidas que proporcionem o bem-estar animal como: manejo diário por equipe dedicada, música ambiente para desestressar, aquecedores no inverno (conforto térmico), caminhas individuais, cuidados permanentes com alimentação e saúde e ainda a “HORA DO RECREIO”, momento diário onde os cães podem correr livremente em segurança pelo gramado de 12.000 mts² e um Pet-Playground."

E, com esta informação acima, retirada do site de um abrigo cujo nome não vou citar, quero começar meu post da vez.
Se você lê com atenção, vai ver que foram resgatados 1500 cães e que puxa!! 600 já foram doados. Legal, né? Sim, para os 600. Mas, para os 900 que "viverão conosco (com eles) até o final de suas vidas", nem tanto. Este abrigo acima é um considerado modelo - leia você mesmo, eles têm estrutura de creche, proporcionam o bem-estar do animais, tentando dar a eles uma vida, ainda que confinada, relativamente boa. É uma exceção e não a regra.
Mas são 900 cães confinados contra 600 doados. 
Blumenau vai ganhar um abrigo em breve - previsão para os próximos meses, obra iniciada. A promessa é de local para educação dos estudantes, mostrando o lado obscuro do abandono - ou seja - o próprio animal abandonado, pra ver se desperta a compaixão nos jovens. No melhor estilo maço de cigarros mostrando fotos de câncer e impotência pra inibir o fumo. Funcionou com o cigarro, pode funcionar com os adolescentes também. Vamos torcer para eles não pensarem: "bom, posso abandonar meu cão/gato porque eles vão vir parar aqui, olha que lugar legal".
As promessas são de triagem de animais - não resgatando todos que estão nas ruas, somente os feridos para tratamento e posterior doação; clínica veterinária e profissional à disposição; blá, blá, blá. 

Eu sou contra a construção de abrigos e não escondo minha opinião de ninguém. Podem me dar todos os argumentos possíveis, não me convencem. No caso de Blumenau ainda estou dando o benefício da dúvida, acreditando nas promessas e me comprometendo a dar a mão à palmatória, caso ele realmente funcione e não se transforme num depósito de animais. A cidade tem um histórico de abandono no fim do ano, por exemplo, fora do comum. E eu estou só esperando pra ver o que vai acontecer quando a população souber que tem onde descartar seu amigo, antes de ir se bronzear no litoral.



Há alguns lares temporários aqui, que acabaram se transformando em lares definitivos, nos quais trocentos cães amontoam suas carcaças magricelas e seu pelo sem brilho, brigando muitas vezes por uns baguinhos da escassa ração. Simplesmente porque a pessoa que os recolhe "ama os animais e quer que eles tenham uma vida digna". Só não explica direito o que é digno pra ela.

Até há pouco tempo, em parceria com uma ONG da cidade, meio que acompanhávamos o trabalho de um abrigo não oficial. Uma senhora que a princípio queria privacidade, depois apareceu na mídia, liberou acesso de todo bicho que passa, distribuiu seu número de telefone pra quem viesse choramingar ali. Não posso negar, coloquei três cães no local dela, mas, quando eu a conheci, eram 80 cães e 60 gatos. Meus três cães já foram doados e hoje seis meses depois, ela tem mais ou menos 160 gatos e mais de 200 cães. O espaço abundante que eles tinham antigamente, ficou, obviamente, mais restrito; a atenção que recebiam, também foi reduzida.  Pensar em 160 gatos soltos numa mata me dói o coração, não porque não estejam castrados pois estão, mas pelos pobres pássaros que vivem na região. Já pensou no massacre? Eu amo gato e acho que isso já é claro pra todo mundo. Mas ele é um predador natural, caçador, mata tudo o que for menor que ele. Pobre fauna!

Há uma moça em Minas Gerais que resgata gatos. Montes e mais montes de gatos. Ela, sendo uma pessoa física sozinha, obviamente não dá conta de sustentar 60 gatos do próprio bolso. Porque, quando li o blog dela, acho que, ainda por cima estava procurando emprego e tinha a mãe doente. Aí faz o quê? Pede ajuda, claro. Pessoas ajudam e eu acho isso ótimo, afinal também recebo ajuda de muitos que não me conhecem pessoalmente. Até aí, tudo bem. Só que hoje ela tem 60, amanhã terá 150, porque a velocidade de doação é infinitamente menor do que a quantidade de caixas de ninhadas que chegam. E, sem condições financeiras, não vai conseguir castrar todo  mundo a tempo. Conclusão?




Há exceções, aqui mesmo em Blumenau. Uma pessoa que tem um gatil, tira da rua, acolhe milhões de caixas cheias de gatos que são deixadas na frente da sua porta durante o ano todo, dá amor, cuidado, carinho, gasta o que pode e o que não pode, castra e doa. Da última vez que falei com ela, eram 60 gatos em casa. Mas ela realmente os doa então já teve época que eram "apenas 23". Não é acumuladora, faz tudo com responsabilidade. E uma outra que também abre um espaço em sua casa para gatinhos que precisam de lar temporário e os doa com responsabilidade. Da última vez que perguntei, eram 30. As duas já visitei algumas vezes e os gatos têm vida de rei, não vou nem chamar de abrigo.

Mas, se você tem 350 animais em casa, precisa se desfazer de alguns, certo? E aí vêm as famigeradas Feiras de Adoção - aquelas onde animais são doados a praticamente qualquer um que os queira; sem critério, muitas vezes na base da mentira (ontem mesmo li um post de uma protetora dizendo que o adotante mentiu e o filhote que ela doou, fugiu). Porque a fila tem que andar. O bicho tem que sair porque tem muitos outros precisando entrar. Isso quando os filhotes não são doados sem castração, porque o doador/protetor se comprometealigarepegarnopédoadotantepraele fazeracastraçãoeissoeaquiloporquetemtermodeadoçãoeapessoasecomprometeemaisissoemaisaquilooutro. Termo de doação não obriga ninguém a castrar. Depois que o animal foi, se o adotante não quiser castrar, nem o Papa Francisco pode obrigá-lo; nem o próprio São Francisco de Assis, ninguém. E é aí que mora o perigo, pois, dali a um tempo, vai ter gatinha/cadela prenha nas ruas, abandonadas, porque o adotante não queria ter seis gatos, oras bolas, ele queria só uma gatinha. Mas não castrou e ela entrou no cio. Ficou prenha. Teve filhotes. E, todo o trabalho que o dito protetor teve, foi por água abaixo. É simples assim. Medonho assim. Comum assim. Mas isso já foi assunto aqui várias vezes. 

Nós da proteção animal, trabalhando contra quem doa animais sem castração e sem critérios


Não participo de feiras por vários motivos:

- pessoas que vêm adotar e não têm a mínima condição financeira de ter um animal - já visível no seu jeito de se vestir, se calçar. Teve uma ocasião, na última feira da qual participei com a ONG parceira, na qual uma família de baixa renda, com uma criança e um bebê de colo, vieram adotar um cão. Pra mim, estava claro que eles não tinham condições financeiras de ter um animal, dar-lhe uma vida com alimentação de qualidade, porque mal tinham pra eles. Mas o menino se apaixonou pelo animal e ficou ali, a manhã toda, paquerando, esperando, querendo. Nunca duvidei do amor que o cão receberia, mas, e se ficar doente, vai ser tratado? Eu chorei  muito porque tive pena do menino, mas tive pena do cão também, indefeso, sem poder escolher. Prometeram ir ver se eles ficariam bem. A última notícia, que recebi uns dias depois, foi que ele estavam bem. Prometi a mim mesma que nunca mais participaria disso.

- pessoas que adotam num impulso e logo depois devolvem ao protetor doador; isso quando não largam o bicho na primeira esquina, na primeira dificuldade e o protetor nem fica sabendo - a não ser que faça um controle "pós-doação", cá entre nós, coisa rara. Aliás, conheço algumas protetoras independentes que são exemplo de como fazer doação. Se quiser iniciar carreira, é  só me pedir o contato.

- pessoas que mentem sobre seu espaço, seu tempo, suas condições financeiras

- na pressa, não há muitos critérios de escolha. Na minha opinião, o doador/protetor tem que fazer uma visita antes, preencher um questionário de adoção, fazer entrevista com os adotantes, ter pelo menos alguma certeza de que vai dar certo. Claro que muitas coisas fogem ao controle, não podemos acertar sempre. Mas, doações individuais, não em massa, têm muito mais chances de sucesso do que as feitas de baciada em feiras.

E esta é uma das razões pelas quais eu escolhi fazer C.E.D. e não resgate. 




 O dinheiro que se investe em um abrigo e sua manutenção seria, com certeza, muito mais bem aplicado se investido nesses dois pontos: EDUCAÇÃO, principalmente de crianças e jovens e CASTRAÇÃO para quem já está por aí e seus descendentes. Educar a classe mais pobre, que não tem noção de cuidados básicos com animais deve ser muito mais barato; castrar os animais dessas famílias, muito mais barato que alimentar cães e gatos confinados; lutar por e realizar mutirões de castração na periferia, nem se fala. E aí, sim, teríamos em médio e curto prazo, uma diminuição nos chamados de socorro pra gatinhos abandonados em caixas de papelão com suas mamães, durante a primavera. 

Castrar e cuidar de animais comunitários, educando a população em sua volta, seria, provavelmente muito mais barato também e infinitamente mais humano, menos cruel.

Fui ali dar uma olhada em números de abrigos,  antes de terminar e achei o seguinte:

abrigo com capacidade para 650 animais / tem no total 718 - bem semelhante ao nosso sistema carcerário e suas celas projetadas para 60 pessoas, abrigando 200. Ou não?

Há abrigos que ainda tentam dar uma vida digna aos animais ali confinados - vide aquele nosso exemplo de cima, assim como alguns aqui da região. Há trabalhos voluntários de passeios, campanhas pra arrecadar ração, vacinas, remédios. Mas isso não é o ideal. O ideal é que eles não existam, não por falta de políticas públicas e/ou verba, mas por falta de animais.

Porque abrigo bom é abrigo vazio.

Pergunta pra eles :))




Um abraço,

Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua




3 comentários:

  1. Gostei bastante! Parabéns!!! Tenho um semelhante no BLOG
    Ficacãomigo.com

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  2. Vou divulgar no meu BLOG com os devidos créditos! Ficacaomigo

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  3. Agora compreendi sua preocupação!!!
    Abraços, Ana Cláudia

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