sexta-feira, 22 de abril de 2016

O gato que não era gato, o arame que não era arame - a verdadeira história por trás de uma captura

Quando a gente se decide a ajudar animal de rua, tem que ter muita consciência de que NÃO VAI ajudar a todos  e saber lidar com essa impotência parcial. Tivemos que lidar pessoalmente com isso uns dois anos atrás, quando uma pessoa nos chamou pra ajudar um gato que ela tinha resgatado.
A moça encontrou o gato estropiado na rua, porém, ainda vivo. Tinha sido atropelado e ela, no melhor clima de "vou fazer minha parte por um mundo melhor", resgatou o pobre bichinho e levou ao veterinário. O gatinho, que tinha a boca esmagada e algumas escoriações nas patas, foi levado a um hospital veterinário da cidade, tratado, curado e castrado. Ele seria adotado pelo coração generoso da moça, porque ela tinha medo de que, nas ruas, fosse atropelado de novo - e todos sabemos que os riscos de morte nas ruas são inúmeros.

Quando o efeito da anestesia passou, toda a equipe do hospital ligou pra moça implorando "tira essa fera daqui" - porque o cara avançava nas pessoas, pulava, rosnava e se portava como uma jaguatirica furiosa. Ela, não tendo o que fazer, haja vista que o animal ainda precisava de cuidados médicos, trancafiou-o numa caixa de transporte, levou pra casa e ali ele ficou, por dois dias. Sabendo que o animal sofria e, não suportando a situação, pediu ajuda. Foi quando a Operação Gato de Rua foi acionada por um desses grupos de adoção e ajuda a animais, que pipocam no Facebook.

Falando pelo telefone, disse pra ela soltar o gato num quarto fechado, imediatamente, porque ele morreria de lipidose hepática se ficasse preso, sem comer, estressado, na caixinha. Ela assim o fez. 
A partir daquele dia, nunca mais ela conseguiria entrar no quarto, porque o bicho era brabo pra caramba. Ligou para nossa voluntária, chorando, porque tinha que dar comida, mas morria de medo, então foi  instruiída a colocar comida no potinho e empurrar com o rodinho. Assim ela fez, por outros dois dias. 

Só que ela e o pai estavam de mudança, a casa já quase totalmente encaixotada, só faltava desmontar o quarto do gato. E, pelamordedeustiraessaferadaquiqueeuprecisoentrarnoquarto. Então fomos lá, armar a gatoeira e tentar pegar o bichano. 

Gente: o gato ficava escondido e, quando alguém acendia a luz (a voluntária, porque a moça não entrava lá de jeito nenhum), só se ouvia o "vruuuuuuuuuuuuuu" - no melhor estilo acelerador de motocicleta, vindo de algum lugar atrás do armário. Quem nunca ouviu esse barulho, não sabe o que é terror. 
A imaginação fértil nos deixava visualizar mentalmente, o gato com as orelhas pra trás, dente de fora, assoprando para o ataque fulminante. E aí ele saía correndo de detrás do armário e mudava de lugar, indo pra debaixo da cama. Foi quando pudemos ver que se tratava de um gato preto, peludo, bonito. E o medo deu lugar à ternura e compaixão, porque, no fim das contas, era só um gatinho assustado.

Depois de uma semana de gatoeira no quarto, porque o malandro comia tudo sem desarmar a armadilha, a moça nos deu um ultimato - "vou embora, vou fechar a casa e deixar o gato aqui". Assim com essa ameaça, resolvemos abrir a janela e deixar o pobre bicho sair pra liberdade. Era uma rua muito tranquila, cheia de árvores e matos, onde um gato de rua sobreviveria bem, com relativa segurança - o único problema era a boca costurada - não sabíamos se conseguiria comer passarinhos e bichinhos.

Fazemos  CED - (Captura, Esterilização e Devolução), de coração, sem dó, sem medo, porque sabemos que os animais que atendemos, na sua grande maioria, têm alimentadores e não morrerão de fome. O gatinho em questão, não só estava com a boca costurada, como também moraria num ambiente muito diferente do seu, sem a certeza de que poderia se alimentar. E, imaginar um ser vivo morrer de fome, corta o coração em milhões de pedaços.

E o tempo passou, nos conformamos com o mantra de que "fizemos o que estava ao nosso alcance", nos despedimos da moça, agradecemos a ela pelo que fez e fomos seguir a vida.

Até que, semanas atrás, uma pessoa nos chamou pra ajudar um gato que tinha um arame enfiado na boca. Na última terça-feira, às 6h30 da manhã conseguimos capturá-lo. Qual não foi nossa surpresa quando a veterinária disse que o arame, na verdade, era um fio cirúrgico, que o gato é, uma gata e que já estava castrada. E nos lembramos do gato brabo do quarto, porque era exatamente igual a ela e tinha sido solto ali nas redondezas.

"sou uma sobrevivente e vou ter uma nova chance - mas ainda nem sei disso"


Braba gente, muito muito braba


Às vezes ficamos sabendo que nossos gatinhos castrados foram envenenados, atropelados, perseguidos. E isso nos dói, porque cada um é amado como se fosse um dos nossos. Mas, às vezes, acontecem finais felizes que fazem valer toda a agonia, o cansaço, as horas que passamos nas capturas, a energia dispendida com falatório educativo, a frustração de voltar com gatoeira vazia pra casa. 

A gatinha agora se chama Nega, está na casa de uma de suas alimentadoras, tentando adaptação com a gata da casa.

"olha minha casa segura, gente"


"não gosto muito de foto, mas minha mãe me esmaga e faz"


Esta história só teve final feliz, porque algumas pessoas fizeram sua parte, em vez de esperar que "alguém" faça. A moça que o resgatou, levou ao veterinário e pagou R$ 1700,00 por um gato, com o qual não ficou; as alimentadoras da gata que a mantiveram viva e bem, o rapaz que se compadeceu e chamou pra capturar, os veterinários que a atenderam nas duas vezes e a moça que a levou pra casa, na tentativa de tirar das ruas um animal que já sofreu horrores. A felicidade completa da Nega está nas patas da gatinha da casa, que, ciumenta como só ela, está lá, ressabiada com a nova moradora.

Pedimos, novamente, orações, energias positivas, pensamentos de luz para que a Nega possa ficar em seu novo lar.

a irmã ciumenta


E que Deus abençoe cada um dos envolvidos, porque, como sempre dizemos, se cada um faz sua parte, muitos mais animais são beneficiados.

Grande abraço a todos, obrigada pelo carinho de sempre,

Maria Cecília Quideroli
Operação Gato de Rua





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