quinta-feira, 4 de abril de 2013

D de Devolução ou D de Doação? - Eis a difícil questão

C.E.D, como vocês já sabem, significa: Captura, Esterilização e Devolução - de gatos (no meu caso) de rua. Ou seja, nós vamos lá, armamos a gatoeira, CAPTURAMOS, levamos ao veterinário, eles são ESTERILIZADOS, buscamos, alimentamos em casa e, no dia seguinte DEVOLVEMOS ao local de onde foram retirados. Rápido ( às vezes nem tanto ), fácil e muito eficaz.

Mas por que cargas d'água devolver e não doar??

Por exemplo, porque:

1) - não tem lar para todos os gatos que estão perambulando por aí. Ou que nascem por aí, sem teto, sem dono.
Infelizmente, preciso voltar sempre na questão do gato, muitas vezes não castrado, que tem acesso às ruas. Esse cara (citado aqui no singular, mas em plural muito numeroso na vida real) é o responsável pelo nascimento de muitos outros animais. Porque há muitas fêmeas nas ruas, que já são frutos desses nascimentos sem lar, ou que também têm donos e acesso às ruas, inclusive na época do cio. E, claro, eles vão atender ao chamado da natureza, vão acasalar, vão emprenhar e, consequentemente, ter as crias. Que vão nascer - nas ruas ou nas casas dos donos para serem doadas depois, sem castrar, ter acesso às ruas, acasalar, emprenhar, dar crias, que vão nascer nas ruas ou nas casas, ser doadas sem castrar, sair às ruas...chega, né? Já nasceu gato demais nessas últimas duas linhas. Transforme minhas palavras em animais vivos e temos aí nossa triste realidade.
Não, essa foto não é fofa. Pense nesse monte de vidinhas passando frio e fome, dor e abandono nas ruas

É muito fácil doar um bichinho quando você o faz sem muita consciência e entrega para o primeiro que aparece interessado. Porém, quem lida com resgate e doação RESPONSÁVEL de animais de rua sabe a dificuldade que é encontrar um lar adequado para um gatinho.

Lar adequado, no meu entender, é um lugar onde o animal não tenha acesso livre às ruas. Um apartamento telado - imagine você que pessoas moram no sexto, sétimo, décimo andar, têm gatos e não telam as janelas, por algum motivo que eu não consigo entender. Mesmo quem mora no primeiro andar, no térreo, tem que telar. Se for uma casa com quintal e o gato puder ter acesso ao quintal, ótimo. Então vai lá e tela o seu quintal, dá certíssimo, seu bichinho tem liberdade e segurança.
Só que não é assim e, por isso, quem tem animal pra doar, às vezes precisa esperar um tempão, o filhote fica adulto - e aí já é um outro problema - e não vai embora, porque o doador responsável não acredita na segurança dos animais. Aqui em Blumenau, quando pergunto se o gato vai ter acesso às ruas, tem gente que me olha como se eu tivesse dito que vou matar a mãe dele. É bem difícil. 

Meu gatinho Romeu, resgatado, adotado e castrado - tomando sol com segurança na sacada de casa

E, cuidar de um animal em lar temporário que está para doação é igual a cuidar do seu próprio: requer espaço, tempo, disponibilidade e dinheiro. Porque tem que vacinar, tem que castrar antes de doar, tem que vermifugar e tem que alimentar o bichinho. Isso, considerando que ele não fique doente enquanto estiver sob seus cuidados, porque, se ficar, tem que tratar. Espaço, tempo, disponibilidade e dinheiro.

Além da questão de segurança, os preconceitos: animal adulto, animal preto, animal mesclado, animal com "defeito", fêmea, macho, sem raça - todos eles com mínimas chances.

Por experiência própria digo: não tem lar bom pra todo mundo e o resultado?

Este, porém multiplicado pelo número de gatos nascidos e/ou colocados nas ruas. Foto tirada da internet 


2) muitas vezes os gatinhos não querem o sofá

Quem realmente se importa com o bem-estar dos animais gostaria de tirar todo mundo das ruas, certo? Pois é, eu também sou assim. 

Então vejo muita gente me chamando pra capturar filhotinhos de gatos que nascem nos terrenos baldios, nas ruas de Blumenau. E sempre dizem que querem capturar para doar, mas os animais são muito ariscos. Quando ouço/leio isso começo minha ladainha, que é a seguinte:
Gato arisco não é igual ao gato de sofá. O gatinho que corre DE VOCÊ quando te vê, provavelmente não vai se adaptar a uma vida de sofá, sombra e água fresca, se a vida em questão incluir contato constante com humanos.

Bem diferente do gatinho que corre PARA VOCÊ quando sua pessoa aparece. Esse sim, quer seu carinho e seu colo e, se cruzou o seu caminho, leve pra casa. Dê um banho, comida, uma consulta ao veterinário, vermífugo, castração e lar, se não definitivo, pelo menos temporário e doe, com responsabilidade.

Porém o D - do C.E.D. - trata mais dos primeiros, dos que correm de você e se escondem quando te veem. Eles são ariscos porque, muitas vezes, não têm muito contato com humanos, têm medo do desconhecido. Às vezes já desde muito pequenininhos são medrosos e isso depende muito do temperamento da mãe. Se é uma gatinha de rua, assustadinha e medrosa, eles serão também. E, acredite em mim, esses gatinhos não te amam, eles querem mais é te ver pelas costas. Aceitariam o alimento e a água sim, obrigada. Mas não querem seus afagos, seu sofá, sua voz, e muito menos sua companhia.

Por isso o C.E.D. devolve - porque não é justo você aprisionar um ser que te abomina, numa vida que não é a dele. Pois, se esses gatos - principalmente se já são adultos - são forçados ao convívio com o humano, podem viver uma vida de constante stress, o que não é saudável pra ninguém, nem para gatos.

Nesses casos, a solução é simples: castre e devolva. Isso todo mundo pode fazer.


Uma vez eu falei pra minha veterinária - uma pessoa muito consciente do problema de super população de animais de rua - que tinha um monte de gatos onde eu trabalhava, mas que eram ariscos e eu não poderia doar. E ela, linda, me disse, "vamos castrar e devolver lá". Isso, minha gente, muito, mas muito tempo antes de eu ouvir dizer que existia C.E.D. Até que um dia apareceu uma das gatinhas, a Mami Tricolor - meu gato nr. 3- com filhotinhos - um deles era a Léa - eu me apavorei com o que aquilo poderia se tornar se todas as fêmeas começassem a ter filhotinhos e tudo começou.

Nunca tive dificuldades emocionais em devolver os gatos ao local deles. Nunca. Nunca. Nunca. Pelo contrário, sempre senti alívio em saber que daqueles matos não sairiam mais gatinhos. Mesmo quando são os filhotinhos, daqueles que desaparecem quando nos olham, não tenho problemas. Pego, castro e devolvo na boa. Até forcei a alimentadora de uma das minhas colônias a ficar com os três que nasceram embaixo da casa dela, fiz terror e ela os deixou - arisquíssimos que são - por ali mesmo. Aliás, a gatinha Filha Dela, mãe deles, da minha turma de gatos-bagres com phd, é a última de um total de 13- que falta castrar lá.

Tica ( na frente ) e Teca (ao fundo) - bebês que nasceram debaixo da casa, castradas, devolvidas em fevereiro de 2013


Tem exceções? Sim, claro, como todas as boas regras da vida. 

Nós mesmos já capturamos alguns que achamos doáveis. Também queremos dar uma chance a quem pode ter uma. Tem a famosa Léa - uma tentativa mais ou menos fracassada de doação, tem o Frajola que, no fim, parece ter se adaptado ao novo lar - esses dois, filhotes -  e tem a Fofolete, adulta, a gata mais doce que eu vi na vida, com um bigodão branco maravilhoso, capturada por engano, na verdade, pois não era de rua, era de um dono babaca que, no fim das contas não a quis de volta.
Frajola - doado e, até o momento, no novo lar


Fofolete maravilhosa com seu focinho preto e bigode branco - capturada, castrada, rejeitada e, por fim adotada com muito amor




Tudo ia bem no coração da Operação, até que...

... na nossa última captura apareceram três (talvez quatro, ainda não sei) filhotes lindos, mais ou menos ariscos, novinhos, em situação de risco de envenenamento e passando fome. E aí começou o meu calvário interior, no qual me encontro ainda. Balancei feio e ainda estou balançando. Tanto que não os devolvi, estão na clínica, se recuperando fisicamente do estado de inanição e tentando ser amansados um pouquinho. Na verdade, não sei se vou doar, só se perceber total segurança por parte dos adotantes, senão, vão engordar, voltar para o local de origem e pessoas fofas e queridas vão me ajudar a comprar ração para eles, porque o senhor que os alimenta quase não tem comida nem para ele próprio.

Devolver os animais, tão novinhos, a um local onde vão passar fome, com muita probabilidade de serem envenenados assim que conseguirem pular o muro vai contra todos os meus princípios vitais e morais. E esses princípios são mais fortes que meus princípios de prática de C.E.D. - que eu realmente amo. Mas o conflito pelo medo de não conseguir um lar adequado para eles e acabar prejudicando as "crianças" me tira o sono e me mata de gastrite. Ainda não está decidido. Talvez eu esteja escrevendo este tema hoje para poder ver a situação de outro ângulo tomar uma decisão acertada. Visto de fora, pode ser que a luz brilhe no fim do túnel da minha gatoeira.

Opções ideais seriam:

1) poder devolver a um outro lugar onde não precisassem conviver com humanos se não quisessem, mas pudessem comer todo dia - como os gatos das minhas outras colônias. Infelizmente não dá, porque se eu os colocasse na região de uma das colônias que tem bastante mato, colocaria uma carga muito pesada nas costas da senhora que tira da própria mesa pra alimentar trinta gatos de Blumenau, sem muita ajuda. Seria muito injusto com ela, então não dá.

2) encontrar mais uma Carolinne ou mais uma Dani.
A Carolinne se comoveu com três gatinhos que moravam num galpão ( Neguinha, Romeu e Dalí ) e eram alimentados pela Dona Léo (Eu louvo a Deus pelas pessoas que alimentam animais de rua). Pediu ajuda, fomos lá e eu tentei demovê-la da ideia de ficar com eles, por todos os motivos que já citei acima e nos quais acredito piamente. Ela bateu o pé, pelo medo de devolver ao galpão na rua movimentada onde a mamãe gata morreu atropelada. Pagou as castrações, levou pra casa e tentou amansar, ficou com dó porque eles sofreram, claro e encontrou uma solução, porque ela tem um espaço em casa com mata natural, pode dar comida pra eles vê-los todos os dias, eles vão pro mato, ficam felizes, seguros e voltam à noite pra jantar. 

Neguinha, Dalí e Romeu - ainda embaixo da cômoda da Carolinne - antes de terem acesso ao mato

A Dani foi a pessoa pra quem doei a Léa. Uma pessoa querida que ama gatos, ficou duas semanas com a gatinha (que não comeu nem bebeu por três dias e eu não dormi por três noites), mas teve que se despedir, porque D. Lelé foi pro mato que também tem no fundo da casa (o que me fez escolher a casa dela para doação), depois para o telhado do vizinho. Está por ali, feliz, mas meu coração sangra em saber que está de volta às ruas a gatinha que tanto amo, que ficou no meu quarto de visita por sete meses, me amou também, mas tive que doar devido ao medo de devolver ao local de origem - onde mora a mãe - porque o irmão morreu atropelado lá e eu não ia aguentar vê-la transformada em um tapetinho. De vez em quando temos notícias dela, só espero que viva bastante tempo. E eu sempre choro quando penso nela, como agora.

Minha Lelé, meu amor - sempre escondidinha - me olhando com seus olhos amarelos

No geral, eu prefiro o D de devolução quando o assunto é gato arisco. Sem sombra de dúvida, pra não submeter o animal à convivência obrigatória com humanos indesejáveis. Gosto de saber que serão felizes ali se puderem ter o mínimo necessário para sua sobrevivência nas ruas.

O que não parece ser o caso dos meus três (ou quatro?)

Clarinha


Maizena e León

E aí: Maizena, Clarinha e León, o que vai ser: Devolver ou Doar?

Abraços,

Maria Cecília

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4 comentários:

  1. Ótimo post!! Eu também sou daquelas pessoas que quer pegar todos os animais de rua. Meu sonho é ter uma instituição para cuidar deles e abrigá-los. E agora, depois de ler o post, vou acrescentar um enorme jardim com mato natural.
    Beijos.
    Letícia Klein

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    1. Letícia, não sei se instituição é uma boa solução em muitos casos. Mas, quando você tiver a sua, com mata natural nos fundos, me avisa que te ajudo.
      Beijo e muito obrigada por participar.

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  2. Meu gatinho saiu do mto,pelo menos e assim que ele apareceu.Saindo do mato com fome e extremamente magro.Tanto que o veterinario nao pode fazer qualquer exame no primeiro dia por estar fraco de mais.Mas,hoje ele esta mansinho e vive indoor.Acho que se nos tivermos paciencia e dar tempo ao tempo esses filhotes se acostumaram em seu novo lar.Mas,claro depende muito de cada gatinho e cada situacao.O meu era novinho ,sozinho e devia estar morto de fome.

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    1. Oi, obrigada por seu comentário. O seu gatinho, por estar sozinho, provavelmente foi abandonado por ali. Que bom que vocês o resgataram.
      Eu gostaria de dar lar para todos. E quando são mais ou menos mansos, acredito da "reabilitação" - aliás esses três do post (que agora são quatro ;) ) já estão aceitando carinho na clínica. Há esperança :) - a questão é que o adotante, muitas vezes, não respeita a natureza e o temperamento do gato, não fecha a casa e eles fogem. Aí é que complica, porque ele sai de um ambiente no qual era relativamente protegido para um totalmente estanho - pode ser uma rua movimentada, ter cachorro perto, ficar perdido sem comida. Então por isso prefiro devolver na colônia. Mesmo porque não temos lares para todos. E tem alguns que realmente abominam humanos Se forem adultos, eu nem tento doação, pois é muito estresse par ao animal e isso seria crueldade.
      Muito legal seu gato viver indoor. Meu sonho também, que todo mundo que tem gato os crie indoor.
      Um abraço e obrigada por participar. Curta nossa fanpage no facebook: https://www.facebook.com/gatoderuablumenau

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